domingo, 11 de setembro de 2011

11 de Setembro ou o Rambo sentimental














Ligo a TV e acordo em Nova Iorque.  Todos nós já estamos a semana inteira lá. A dor do onze de setembro parece muito grande para a superpotência assumir sozinha, é preciso compartilhá-la, chorar cada uma de suas vítimas, elogiar cada bombeiro, policial ou político que, sob a tragédia, estiveram à altura dos seus respectivos deveres.  E, por certo, não há nada de errado em chorar a dor alheia ou elogiar o herói alheio, é uma das características distintivas da nossa espécie: a capacidade de empatizar, de colocar-se no lugar do outro.  Yes, you can!

      Só não é bom que nosso primo rico, que nos manda a intimação para o velório em sua própria casa, nunca apareça para chorar junto a dor da periferia (talvez não queira sujar os pés na lama). Ele sequer acredita que essa dor exista. Quando, esse meninão malvado bate em alguém inocente – e como bate esse valentão! – produzindo lesões e mortes pelos quintais, de crianças, velhos, mulheres e inocentes de qualquer espécie, a mamãe ONU se contenta com sua velha desculpa: danos colaterais. Ou seja: “Matei muitos inocentes sem querer, foi mal, mas acontece”, ou: “Na luta contra o terror, vale tudo”, leia-se: inclusive o terrorismo.
        A propósito, qual a diferença entre os terroristas e as forças especiais americanas? Penso que apenas de nome: ambos estão dispostos a matar ou morrer por uma causa que os transcende. Ambos acreditam que se a causa for muito elevada (vier de Deus ou da Casa Branca) não faz sentido distinguir detalhes como inocentes, alvos civis ou militares. A missão especial cria suas próprias regras. Mata-se qualquer um como meio para atingir um fim. São Bernardo, inclusive, justificava as mortes de inocentes durante as Cruzadas dizendo que, em nome de Deus, não se pratica homicídio e sim malicidio. Santo terrorista!
        E o grande sociólogo Durkheim chamava essa característica, comum entre terroristas e heróis de forças especiais, em morrer pela missão do chefe, com a mesma palavra: suicidas altruístas. Designação dada aqueles que introjetaram tanto os valores da sociedade que se tornaram uma versão individual  da própria sociedade.
      Parecidos sim. Só os alienados moralmente podem assumir uma missão, sair atropelando e matando e deixar ao seu chefe a justificativa dos corpos tombados por erro, descuido ou “imperiosa necessidade operacional”.  São essas bestas autômatas que espalham a morte sem culpa.
      Mas quando esses levados garotões levam uma canelada, berram feito eternos inocentes. É estúpido, mas é assim, eles é que têm “trauma” das guerras da Coréia e do Vietnã! Acham que sofreram demais. Eles?! Das bombas sobre o Japão eles não sentem nada. Nem das torturas que ensinaram e praticaram em toda a América Latina.  Quantos filmes você conhece sobre o tema? Mas sobre Pearl Harbor eles ainda não superaram, coitadinhos. Querem fazer guerra sem machucar o dedinho... O Rambo é sentimental.
      Aí você pode me dizer: "E daí, eles choram por eles mesmos, ora!" E eu respondo “bingo!” então estou dispensado de chorar hoje pelo onze de setembro. Mas, se o fizer, será pelas vítimas das enchentes do meu estado de Santa Catarina. E não é porque eu não lamente os que morreram lá, mas sim porque o primo rico nunca lamenta o que de mal ocorre aqui.
    Vou mandar um telegrama e dizer que não encontrei nos sacos para flagelados nenhum terno que estivesse à altura do triste evento. E acho que não farei falta...

SANDRO SELL

quarta-feira, 7 de setembro de 2011

O defeito de não gostar de futebol

Não sei se nasci sem todos os itens de série ou se houve uma falha congênita. O caso é que, mesmo sendo de 1970 não consigo amar o futebol – também não gosto muito de samba (meu índice de má-sujeitisse deve estourar em 10 pontos a escala de Richter). Reconheço que disso se pode presumir em mim falta de brasilidade, ou, até, de virilidade. Um Brasil se faz com chuteiras e bundas, deveria ter dito Monteiro Lobato. E quem não chuta rebolando ou não se abaixa de chuteiras está sobrando e ofendendo.  O Brasil não é para sacis. 
O caso é tão grave e perigoso que não amar o futebol deveria merecer proteção pública. Deveria gerar vagas preferenciais nos estacionamentos, isenção de impostos e solidariedade. Haveria de ganhar a proteção da Corte Interamericana de Direitos Humanos e do Criança Esperança. Mereceria um bolsa-espírito-de-porco, acesso a abrigo anti-foguetes e tampões anti-vulvuzelas.
Pobre de quem não nasceu com o instinto certo, ou quem a criação não reforçou o valores comunitários da justiça do 11 contra 11, do gosto pelas camisas suadas autografadas, do empurra-empurra entre machos no estádio, da genialidade na perseguição coletiva à pelota ingrata. Pelota desenvolvida em um laboratório alemão ou americano, arrancada do couro de uma companheira de pasto e costurada pelas mãos mais que hábeis dos que caíram em desgraça penal. Só mesmo o futebol poderia juntar na mesma empreitada Her Fritz Von Stratenberg e o Réu Wellington Roni Fon de Souza. Capital internacional e costura à mão algemada.
 Tudo isso é apenas um lamento de um inadaptado, e mesmo o tom de mágoa ou crítica deve ser entendido a partir disso. Queria gostar do que habitualmente se gosta, como a maioria das minorias do gosto: gays, lésbicas e aquelas outras siglas de quem gosta de identidades bem definidas. Queria ter sido o garotinho do papai, com meião e bandeirinha, mas, sinto muito, pai: eu falhei... talvez por isso você sempre tenha preferido a meu irmão... (ops! Deixa pra terapia).
É como ser mudo. Nada de interessante há para dizer na segunda-feira se não se sabe exatamente como chutou o Neymar no domingo. Para entrar no assunto, é preciso não apenas ter práticas de observação empírica, ou simplesmente assistir ao futebol: é preciso escutar os hermeneutas, os atravessadores, os comentaristas que dirão o exato sentido e horizonte de compreensão de cada lance. É a verstehen dos parvos. É o tira-teima da assepsia da falha dos sentidos pela aufklärung midiática.
Antes eram só os homens e seus aspirantes, os garotinhos, que amavam o futebol. Agora são também as mulheres e as menininhas que entram com orgulho para essa religião estranha, esse mundo em que poucos são convocados e muito menos os escolhidos. Como elas são sexualmente mais bem resolvidas, preferem ir assistir ao futebol masculino; não perdem seu tempo vendo mulheres de shortinho correndo. Seus maridos também não. E é aí que o futebol aproxima o casal. È bizarro! O inverso seria sua mulher insistindo para você ir com ela assistir ao concurso garota verão. Você só não captou a semelhança entre as duas situações porque quando a levou no estádio você está bêbado, meu irmão...    
O futebol é a pedagogia contra as drogas – por isso os traficantes cariocas odeiam o Flamengo, - contra o crime, dá-lhe Corinthians; da busca do fair-play do grenal, da valorização da criança na escola, pois em nenhum outra instituição, ter estudado faz tanta diferença na sua carreira. È uma lição de cidadania ensinada pelos mestres Eurico & Ricardo. O futebol é de Jesus, do Cacá e dos múltiplos Ronaldos. É do povão e de quem der mais para a sua transmissão.       
Não se trata, como na minha década inaugural, de dizer “isso é farsa, é ideologia”, não porque não seja, mas porque não resta o que não seja. Não se trata também de questionar por que razão os pais não ensinam seus filhos os nomes de cientistas, escritores, políticos sérios (há um projeto secreto da NASA procurando), enfim, alguns nomes que não se destaquem pelo que fazem com as pernas. Não: qualquer garotinho do papai há de saber a escalação do time do papai e dizer, com ritmo e métrica, para os titios no bar, da oficina, do escritório...
Não vai demorar muito para um juiz decretar (Maria Berenice?) que pai que não leva seu filho ao estádio deve responder por abandono esportivo; ou que mãe que fala mal do time do pai deve responder por alienação parental. Xingar o time alheio logo será injúria qualificada, insuscetível de graça ou anistia. Vai ser a lei “Romário da Penha”, aquela em que quem está no lado errado do campo é expulso liminarmente.
Até as aulas de Direito penal mudaram. Ninguém mais quer saber, meu saudoso Nelson Hungria, de Tício matar Caio. Agora é só Bruno matando Elisa, Romário não pagando e Edmundo, como sempre, atropelando...  
Enfim, nessa terra em que o presidente é mulher, um rei é negro (e o outro é coxo), tudo poderia ser diferente. Poderia ter samba, futebol, e algo mais (que não fosse pagode e beach soccer). Não, meus amados, não é antipatia, não é rabugice, é apenas inadequação. Se tivesse um jeito de eu amar futebol, amaria e seria amigo dos meus cunhados. Mas não consigo e queria apenas dizer isso em alto e bom som:

Meu nome é Sandro Sell, tenho 40 anos e não gosto de futebol.

E espero de vocês que, ainda assim, me dêem as boas-vindas.     



Sandro Sell